A reportagem especial deste domingo (29) investigou uma violência contra a mulher: por que, em
alguns lugares do mundo, as mulheres ainda são tratadas como cidadãs de segunda
classe e sofrem todo o tipo de abuso?
O Líbano, por exemplo, uma sociedade moderna convive com
costumes medievais. Lá, as mulheres, depois do casamento, passam a ser
propriedade dos maridos e podem ser agredidas, presas e até estupradas sem ter
a quem recorrer.
Será que voltamos dois mil anos no tempo?
Não exatamente. É 2014, estamos no Oriente Médio e muitos homens ainda agem
como sultões, em um mundo que eles acreditam que mulheres existem para
servi-los.
Segregação, maus tratos, mutilação de
órgãos genitais, estupros, tortura dentro de casa, divórcios desejados pelas
mulheres, mas dificilmente alcançados e crimes de honra em que o marido
assassino sai praticamente impune.
O Fantástico mostrou mundos que não mudam.
Homens que mandam. E mulheres que não querem mais obedecer. À primeira vista,
pelo menos no primeiro encontro, Beirute, a capital do Líbano, parece um
paraíso da modernidade. Para os padrões do Oriente Médio, a noite pegando fogo
é muita ousadia.
A primeira vista, a noite de Beirute é muito parecida
com a de São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, qualquer grande cidade
brasileira. Mas ao entrar na sociedade libanesa, entendendo um pouquinho
melhor, percebe-se logo que as mulheres não andam nada satisfeitas.
ONU lista países muçulmanos que mais
desrespeitam direitos das mulheres
Um estudo da ONU, de março deste ano, fez um ranking dos
países muçulmanos que mais desrespeitam os direitos das mulheres. O Líbano
aparece na posição 14 entre 47 países. No Egito, segundo a ONU, mais de 27
milhões de mulheres tiveram os órgãos genitais mutilados. No Iraque, mulheres
são vendidas e estupradas.
Naíma Yazbek é brasileira, descendente de
libaneses por parte de mãe. Se fosse por parte de pai, teria cidadania e não
seria tratada oficialmente como uma prostituta, o que acontece com as
estrangeiras que trabalham como dançarinas no Líbano.
“Eu tenho que fazer exame de sangue,
porque eu sou dançarina. Meu visto de trabalho aqui é como dançarina”, conta
Naíma Yazbek, dançarina.
Fantástico: Mas que exame?
Naíma: Exame de AIDS, e de sífilis. A cada três meses eu tenho que pagar o exame, não pode ser qualquer laboratório, tem que ser o da imigração do Líbano.
Naíma: Exame de AIDS, e de sífilis. A cada três meses eu tenho que pagar o exame, não pode ser qualquer laboratório, tem que ser o da imigração do Líbano.
A dança do ventre é tradição. Sensualidade
permitida nos países árabes. Em sociedades onde a mulher, muito frequentemente,
é vista como propriedade dos homens.
“A mulher tem um papel na sociedade. Ou
ela é para casar ou ela é para ser, aquela mulher para ser usada”, explica
Naíma.
Mulheres
libanesas perdem inúmeros direitos após o casamento
Depois do casamento, a mulher libanesa
perde inúmeros direitos. É quando alguns homens se sentem poderosos demais.
Fantástico: Te bateu, o que? Deu um soco na cara?
Naíma: Me bateu, deu soco, me empurrou.
Naíma: Me bateu, deu soco, me empurrou.
Quando Naíma foi até à polícia denunciar o
ex-namorado ninguém deu ouvidos.
“Quase riram da minha cara. Eles
perguntaram: "você foi estuprada, não! Você foi machucada, não! Então
eles: ‘Ah, então você, o que que você tá reclamando?’", lembra a
dançarina.
Leis no Líbano concordam que homem
deve ter poderes sobre as mulheres
Os casamentos no Líbano seguem leis religiosas, que não tem nada de parecido com o nosso Código Civil Brasileiro. As leis muçulmanas e cristãs, lá, concordam que o homem deve ter poderes sobre as mulheres.
Dados da ONU mostram que no Iêmen, no Kwait, no Sudão, no Barém, na Argélia e em Marrocos, o marido agredir a própria mulher não é crime. Na Faixa de Gaza, em 2011, 51% das mulheres sofreram com a violência doméstica. No Líbano, não existe punição para o marido que forçar a mulher a fazer sexo com ele.
Vítimas de agressões fotografaram o que representava o sofrimento
Os casamentos no Líbano seguem leis religiosas, que não tem nada de parecido com o nosso Código Civil Brasileiro. As leis muçulmanas e cristãs, lá, concordam que o homem deve ter poderes sobre as mulheres.
Dados da ONU mostram que no Iêmen, no Kwait, no Sudão, no Barém, na Argélia e em Marrocos, o marido agredir a própria mulher não é crime. Na Faixa de Gaza, em 2011, 51% das mulheres sofreram com a violência doméstica. No Líbano, não existe punição para o marido que forçar a mulher a fazer sexo com ele.
Vítimas de agressões fotografaram o que representava o sofrimento
As fotografias foram resultado de um
trabalho da ativista Dália Khamissy com dez mulheres que eram vítimas de
violência extrema dentro de casa. Escondidas dos maridos, elas fotografaram
aquilo que representava o sofrimento delas.
“Uma era casada com um ex-soldado, que usava nela e nos filhos os mesmos instrumentos de tortura que usava na guerra”, conta a fotógrafa e ativista Dália Khamissy.
“Uma era casada com um ex-soldado, que usava nela e nos filhos os mesmos instrumentos de tortura que usava na guerra”, conta a fotógrafa e ativista Dália Khamissy.
A foto que mais impressionou Dália, foi a
de um chuveiro. Depois de ser violentada pelo marido, a mulher desmaiava, e era
arrastada até o chuveiro. Quando acordava, apanhava mais.
“Se um marido descobre que a mulher está
tendo um caso, ele tem direito de matá-la. Mas se ela descobre que ele está
tendo um caso e mata o marido, ela é condenada à prisão perpetua ou morte por
enforcamento”, conta Tania Saleh, cantora.
Mulher perdeu virgindade após ser abusada por dois homens
Mulher perdeu virgindade após ser abusada por dois homens
Aisha não mostra o rosto porque tem
vergonha. Foi abusada sexualmente por um amigo do pai e por estranhos.
“Eu dei talvez cinco, ou seis goles da bebida que me ofereceram e apaguei. Não lembro de nada. Acordei no dia seguinte, nua, com os dois homens do meu lado, também nus. Então eu descobri que tinha perdido a virgindade”, lembra Aisha.
“Eu dei talvez cinco, ou seis goles da bebida que me ofereceram e apaguei. Não lembro de nada. Acordei no dia seguinte, nua, com os dois homens do meu lado, também nus. Então eu descobri que tinha perdido a virgindade”, lembra Aisha.
Anos depois, Aisha foi atacada na saída do
banheiro de um restaurante.
“Quanto mais eu gritava, mais ele me batia”, conta Aisha.
No fim, o estuprador ainda se sentiu no direito de dar uma lição de moral na vítima.
“Quanto mais eu gritava, mais ele me batia”, conta Aisha.
No fim, o estuprador ainda se sentiu no direito de dar uma lição de moral na vítima.
“Ele disse que se eu fosse irmã dele ele
teria me matado, porque eu estava fora de casa àquela hora da noite”, diz
Aisha.
Aisha não foi à polícia porque teve medo.
Vítimas de estupro podem ser presas por adultério
Vítimas de estupro podem ser presas por adultério
Na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no
Sudão, vítimas de estupro que procuram a polícia podem ser presas, por
adultério. E, no Egito, dados da ONU mostram que desde a queda do ditador Hosni
Mubarak em 2011, mais de 90% das mulheres foram expostas a algum tipo de
assédio sexual.
Brasileira
conviveu por dois anos com rotina de agressões no Líbano
A brasileira Sheila tem duas filhas com um
libanês. Depois de dois anos vivendo em uma rotina de agressões no Líbano,
voltou ao Brasil e se separou do marido.
“Quando você não sofre violência do seu marido,
quem te agride fisicamente são cunhados, são primos, são outras pessoas da
família que têm a liberdade de te corrigir”, explica a professora Sheila Ali
Ghazzaoui.
Consulado
brasileiro alerta mulheres brasileiras que pensam em se casar no Líbano
Problemas como esse têm sido tão frequentes, e graves, que o Consulado do Brasil em Beirute resolveu fazer uma cartilha, um alerta para as mulheres brasileiras que pensam em se casar com libaneses e se submeter às leis extremamente patriarcais do Líbano.
“É saber exatamente onde vai pisar. As diferenças culturais, as diferentes jurídicas. Se tem violência doméstica, com agressão física ou não”, conta o cônsul-geral adjunto em Beirute Luiz Eduardo Pedroso.
Problemas como esse têm sido tão frequentes, e graves, que o Consulado do Brasil em Beirute resolveu fazer uma cartilha, um alerta para as mulheres brasileiras que pensam em se casar com libaneses e se submeter às leis extremamente patriarcais do Líbano.
“É saber exatamente onde vai pisar. As diferenças culturais, as diferentes jurídicas. Se tem violência doméstica, com agressão física ou não”, conta o cônsul-geral adjunto em Beirute Luiz Eduardo Pedroso.
Com um simples telefonema às autoridades
de imigração, o marido pode impedir a mulher de deixar o país. E frequentemente
o consulado recebe brasileiras pedindo ajuda para voltar para casa.
“Se o marido não botou o nome no aeroporto, há uma maneira de tirá-la daqui, mas tem que ser feito de forma discreta, etc e tal. Se ficar jogando aos quatro ventos o marido fica sabendo, no dia seguinte põe o nome, e ela não sai”, explica Luiz Eduardo Pedroso.
Cônsul do Líbano em SP diz que país não trata mulheres de forma diferente
“Se o marido não botou o nome no aeroporto, há uma maneira de tirá-la daqui, mas tem que ser feito de forma discreta, etc e tal. Se ficar jogando aos quatro ventos o marido fica sabendo, no dia seguinte põe o nome, e ela não sai”, explica Luiz Eduardo Pedroso.
Cônsul do Líbano em SP diz que país não trata mulheres de forma diferente
O cônsul-geral do Líbano em São Paulo diz
que o país não trata as mulheres de forma diferente de outros países.
“Nós temos casos de violência doméstica, e
até mesmo de estupros dentro e fora das famílias, mas não é nada alarmante.
Neste ano, foi aprovada uma nova lei que protege as mulheres contra a violência
doméstica que nós estamos implementando”, afirma cônsul-geral do Líbano em São
Paulo Kabalan Frangie.
Libanesas
se cansaram de ficar em silêncio
Mas as libanesas se cansaram de ficar em
silêncio. Recentemente, mais de cinco mil mulheres, apoiadas por algumas
centenas de homens, fizeram uma corrida pelas ruas de Beirute para reclamar
mais espaço na sociedade.
E entre as corredoras-ativistas, a
deputada que resolveu fazer da luta pelos direitos da mulher uma bandeira para
concorrer à presidência do Líbano.
“Ainda vivemos em uma sociedade que tem
uma mentalidade patriarcal, feudal e machista, com muita discriminação”, afirma
a deputada Nadine Moussa.
Nadine lembra que ela é uma das quatro mulheres entre 124 homens no parlamento.
Nadine lembra que ela é uma das quatro mulheres entre 124 homens no parlamento.
“Mulheres ainda não são levadas a sério
nesse país”, diz a deputada.
Deputada
promete insistir na luta pelos direitos da mulher no Líbano
Mas Nadine promete insistir nas próximas
eleições. Aisha fala dos abusos sempre que pode, para expulsar o fantasma. Naíma
dança com orgulho. E as ativistas correm contra as leis, contra o machismo e
contra o tempo, fazendo o possível para chegar logo ao século XXI.
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