Uma história do sertão que valeu um prêmio em Brasília
Exposição Cultural da Assembleia destacará produção sustentável do sertão
A Associação de Mulheres Resgatando Sua História produz cerca de 3 mil balas de banana com doce-de-leite e uma média de 70 geleias e 50 compotas, doce de umbu em calda e o de manga, sucesso quando vistos - e saboreados.
Um grupo de mulheres do Alto Sertão sergipano resolveu tirar do baú a sua história que ganhou o mundo e conquistou um prêmio. Esse grupo é formado por trabalhadoras rurais do povoado Lagoa da Volta, em Porto da Folha, que no último dia 13 viajou este ano a Brasília para receber o prêmio "Mulheres rurais que produzem o Brasil Sustentável" pelo trabalho "Associação de Mulheres resgatando a sua História". Elas concorreram com outros 516 grupos de todo o país e venceram com uma história de superação, organização e muita luta. A premiação é da Secretaria Nacional das Mulheres da Presidência da República.
A Associação das Mulheres de Lagoa da Volta fica no maior povoado de Porto da Folha e o segundo maior do Estado com cerca de 4 mil habitantes. Localizado em meio à caatinga, a 196 quilômetros da capital, o grupo produz hortaliças, picles, doces e mel orgânicos e é o primeiro do Estado a ter em casa um fogão que utiliza o esterco como gás de cozinha (ver boxe).
A inscrição - O Centro Dom José Brandão de Castro (CDBJ), uma ONG com forte atuação no semi-árido brasileiro, inscreveu o trabalho junto à SPM.
A coordenadora da associação, Luzinete Dória, relembra que o primeiro passo para a conquista do prêmio foi dado quando um técnico do CDJBC esteve na associação para ouvir, escrever e inscrever no prêmio a história do grupo. "Quando recebi um email comunicando do resultado da premiação, ah! Meu Deus, foi uma grande alegria que compartilhei logo com as colegas", relembra Dória que foi ao Palácio do Planalto acompanhada da filha, Laís receber o troféu.
O trabalho "A Associação de Mulheres Resgatando sua História", ficou entre os 30 finalistas e recebeu por essa colocação o prêmio. Outros 10 trabalhos de mulheres rurais conquistaram, além do troféu, R$ 20 mil em dinheiro. A solenidade de entrega aconteceu com a presença da presidente Dilma e da ministra da Mulher, Eleonora Menicucci. Além da associação de dona Luzinete, outro grupo, este de Poço Verde, acompanhado pela Emdagro, também foi premiado (ver boxe).
Uma história de desafios - A grande virada na história de vida daquelas mulheres começou em 1995 com a chegada da missão da Divina Providência. Essa missão, com sede na Alemanha, era formada por freiras da Igreja Católica, que chegaram a Porto da Folha com a incumbência de evangelizar, de melhorar as condições de vida daquelas famílias e resgatar a auto-estima das mulheres rurais. Dona Luzinete ressaltou que, juntamente com a Pastoral da Criança, a Divina Providência conseguiu reduzir a zero a mortalidade infantil, que era alta, naquele povoado.
Surgiram então as primeiras reuniões coordenadas pelas irmãs religiosas, até que em maio de 2003, um grupo de mulheres se sentiu forte o suficiente para formar uma associação, a Associação de Mulheres de Lagoa da Volta. No final deste mesmo ano, a Divina Providência vendo a evolução do grupo, cedeu o dinheiro para a compra de três tarefas de terra (1 hectare) e instalação da sede da associação, um galpão com cinco salas e área onde são cultivadas as hortaliças e onde fica o minhocário. Em 2007, a associação fez o seu estatuto e se firmou como entidade rural.
Hoje, a associação conta com 30 mulheres que vencem o desafio de um solo castigado pela seca e de se mostrarem capazes para lutar contra as adversidades da vida. "Hoje nós somos uma família. Nos sentimos ‘empoderadas'", disse dona Luzinete ao acrescentar que a auto-estima foi resgatada. "Conseguimos esse prêmio e vamos conseguir muito mais", complementou Maria Aparecida da Silva, uma das fundadoras da associação e a única da vila a ter um fogão biodigestor. Na semana passada, ela recebeu um telefonema que sinalizou a conquista de mais um prêmio, desta vez pelo pioneirismo de fazer um fogão que acende com gás obtido de esterco animal.
Desenvolvimento sustentável - A produção, sob forma de cooperativa, e os lucros obtidos pela associação ainda são pequenos. Por mês são vendidas cerca de 3 mil balas de banana com doce-de-leite e uma média de 70 geleias e 50 compotas. O doce de umbu em calda e o de manga são a sensação da associação e, segundo dona Luzinete, fazem sucesso quando vistos - e saboreados. Os doces e geleias são cozidos em ecofogões, uma espécie de fogão a lenha que não suja as panelas de fuligem não agride a natureza (utiliza gravetos que caem ao chão e são recolhidos diariamente, sem precisar desmatar a caatinga para utilizar a lenha ou fabricar o carvão).
A venda do mel, picles e hortaliças é muito reduzida, mas as mulheres não desistem. "Ainda estamos começando. Investimos muito e hoje conseguimos tirar até R$ 80 por mês, cada uma, é pouco, mas estamos no começo. Vamos conseguir mais", disse dona Luzinete cheia de otimismo e ávida por receber encomendas. A renda de tudo que é vendido pela cooperativa é repartida entre as mulheres que trabalharam na produção e 30% do lucro segue para a associação.
Como o solo é pobre, as mulheres aprenderam a produzir adubo orgânico, para enriquecer a terra ruim e garantir uma melhor produção sem agredir a natureza. Fazem o biogel, remédio natural contra as pragas, e o húmus que retiram do minhocário. Com a técnica apreendida com técnicos do CDJBC, enriquecem o solo, e dele retiram alface, coentro e pimentão que vão para a mesa de cada uma delas e de moradores do povoado que compram a produção ainda incipiente.
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